sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Se eu for brincar de casinha, eu quero flores nas janelas!





















Brincar nos remete ao encanto da representação...De ser quem está no nosso imaginário em construção.

A minha avó preparava uma "casinha  de bonecas" para eu brincar... No espaço da menina que ela não teve. 

Cinco filhos homens ...E chega a primeira neta menina...! 

E eu, com ela, íamos montando nossa casinha com camas e flores, comidinhas nas panelinhas, vestidinhos das bonecas no guarda roupas de brinquedo... Uma casinha completa que a um marceneiro ela encomendou.

... Um bordado em uma toalha de rosto para o meu avô, Pai Né, ela me ensinou a fazer com 5 anos... tricô, crochê... etc.

Não me esqueço das tantas histórias na cozinha e de uma aconchego no colo, depois de um mexidinho de arroz com feijão torrado na panela, que só ela sabia fazer com seu carinho de vó...

Memória afetiva desse alimento e tantos outros quentinhos na cozinha do passado, tão presentes nas minhas lembranças.

Preciso dizer para minha vozinha que ela não tem ideia, e nem eu tinha... do quanto me marcou com essa acolhida da menina que chega na sua espera! 

Hoje eu quero estar livre para falar o quanto ela foi importante para mim na minha formação! Sem desmerecer minha mãe, pai, tios queridos e tantos outros... mas meu coração é hoje da minha vozinha Bilica, nesse olhar para nós duas.

Não sabemos mensurar a importância de nossos pais e avós nas nossas vidas... 

Sei que muitos não devem ter uma memória tão rica de seus avós e pais, talvez até uma lembrança amarga e triste... uma dor para esquecer... E isso é uma pena... 

Porque avó na vida de uma menina é tão bom quanto pai amoroso de autoridade positiva! Esse, quando é amoroso e cuidadoso, é sol na vida de uma mulher, em agradecimento pela sustentação do amor de um homem criador a quem assemelhamos Deus... Um porto seguro no mar agitado da vida.

A mãe é especial, o espelho com quem brigamos, amamos, queremos nos desvencilhar para virar adultas, um ninho para entender e respeitar. 

Mae é uma menina muitas vezes também em crescimento, uma mulher que se faz mãe em aprendizado, dor, preocupações e alegrias.

Mas a vó!... Ah, a vó é um doce querer de quem já viveu muitas dores e amores...

Hoje não tenho minha mãe, meu pai, meus avós... mas os tenho na memória da construção da minha história... tão pertos! Tão essenciais!

Ah, e as flores nas janelas nos meus momentos de montar a minha casinha imaginária com os filhos - e os futuros netos, que já são sementes germinando em mim - são para essas mulheres que se fundem em mim: a mãe e a avó e, por extensão, o que as rodeia e povoa em seus lares do passado.


Dulce Braz




terça-feira, 2 de outubro de 2012

O que tem morada no íntimo...




http://www.youtube.com/watch?v=xINFX3ClW70




Melodia linda essa da Maria Gadu,“Estranho natural”, em que ela canta: ..."Por você, um mundo veio e a infância assim se foi..."

O que é isso que vem e deixa a infância para trás? 

Lembram-se dessa travessia? "Tudo estranho... e por vezes natural..." Rico caminho de buscas... Preciosa luta interna para saber quem se é... o que se quer... Época de estranhas e insanas procuras de satisfação de um desejo sem fim. De completude...

Aliás, essa perseguição é própria do ser no mundo, embora seja tão intensa na adolescência, ela não finda aí... Pode-se viver distraído, mas essas perguntas ressurgem em etapas significativas da vida de cada um...

Busca-se aquilo que já está no desejo e projeta-se em um outro...

Os olhos captam um anseio adormecido em uma imagem, em uma pessoa, ou em algo que fisga o interesse... e revelam um desejo de amor já existente numa outrora... que tem morada no íntimo...!

Fernando Pessoa dizia: “ Quando te vi, amei-te já muito antes. Quando te vi, eu já sabia que te amava...“

A pessoa vista é a expressão do amor idealizado que habita o ser. De repente ela chega preenchendo um vazio e a impressão é de identificação, sintonia, simbiose...

Rubem Alves, em seu maravilhoso livro, "Cantos do Pássaro Encantado: Sobre o Nascimento, a Morte e a Ressurreição do Amor”, retoma Fernando Pessoa:

«Quando te vi amei-te já muito antes. Tornei a encontrar-te quando te achei...”

O autor leva a refletir que aquilo que se persegue, o que se quer é uma imagem de amor já existente... uma ideia abrigada há muito no desejo de completude... E de repente é manifestada em um outro . 

Aí os olhos captam esse outro...! E o ente é fisgado pelo olhar, um olhar luminoso... pela presença que fascina, sem nada desse outro conhecer... Um estranho natural...!

Daí essa lindeza do dito de Maria Gadu:
"Será que te conheço desde a infância?
Será que na infância eu parti prum mundo imaginado por você?
Ou, por você ,um mundo veio... E a infância assim se foi...?"

Maria Gadu conta em uma de suas entrevistas que já amava Caetano Veloso, antes de nascer, quando ainda estava na barriga da mãe... É o estranho natural dela... Atração, identificação, amor "re-conhecido..."

Santo Agostinho dizia que não sabia o que amava quando amava... mas já propagava que o amor é uma lei existencial... Próprio do ser humano buscar o amor... E pode-se amar tudo que é expressão do amor e mistério da criação...

Nessa doce melodia, Gadu deixa muito a refletir sobre esse estranho natural... " muito pano pra manga"  para quem é  interessado no ser humano e sua complexa busca existencial...


Dulce Braz