terça-feira, 2 de outubro de 2012

O que tem morada no íntimo...




http://www.youtube.com/watch?v=xINFX3ClW70




Melodia linda essa da Maria Gadu,“Estranho natural”, em que ela canta: ..."Por você, um mundo veio e a infância assim se foi..."

O que é isso que vem e deixa a infância para trás? 

Lembram-se dessa travessia? "Tudo estranho... e por vezes natural..." Rico caminho de buscas... Preciosa luta interna para saber quem se é... o que se quer... Época de estranhas e insanas procuras de satisfação de um desejo sem fim. De completude...

Aliás, essa perseguição é própria do ser no mundo, embora seja tão intensa na adolescência, ela não finda aí... Pode-se viver distraído, mas essas perguntas ressurgem em etapas significativas da vida de cada um...

Busca-se aquilo que já está no desejo e projeta-se em um outro...

Os olhos captam um anseio adormecido em uma imagem, em uma pessoa, ou em algo que fisga o interesse... e revelam um desejo de amor já existente numa outrora... que tem morada no íntimo...!

Fernando Pessoa dizia: “ Quando te vi, amei-te já muito antes. Quando te vi, eu já sabia que te amava...“

A pessoa vista é a expressão do amor idealizado que habita o ser. De repente ela chega preenchendo um vazio e a impressão é de identificação, sintonia, simbiose...

Rubem Alves, em seu maravilhoso livro, "Cantos do Pássaro Encantado: Sobre o Nascimento, a Morte e a Ressurreição do Amor”, retoma Fernando Pessoa:

«Quando te vi amei-te já muito antes. Tornei a encontrar-te quando te achei...”

O autor leva a refletir que aquilo que se persegue, o que se quer é uma imagem de amor já existente... uma ideia abrigada há muito no desejo de completude... E de repente é manifestada em um outro . 

Aí os olhos captam esse outro...! E o ente é fisgado pelo olhar, um olhar luminoso... pela presença que fascina, sem nada desse outro conhecer... Um estranho natural...!

Daí essa lindeza do dito de Maria Gadu:
"Será que te conheço desde a infância?
Será que na infância eu parti prum mundo imaginado por você?
Ou, por você ,um mundo veio... E a infância assim se foi...?"

Maria Gadu conta em uma de suas entrevistas que já amava Caetano Veloso, antes de nascer, quando ainda estava na barriga da mãe... É o estranho natural dela... Atração, identificação, amor "re-conhecido..."

Santo Agostinho dizia que não sabia o que amava quando amava... mas já propagava que o amor é uma lei existencial... Próprio do ser humano buscar o amor... E pode-se amar tudo que é expressão do amor e mistério da criação...

Nessa doce melodia, Gadu deixa muito a refletir sobre esse estranho natural... " muito pano pra manga"  para quem é  interessado no ser humano e sua complexa busca existencial...


Dulce Braz




quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Maleabilidade


É fato... Mas isso me faz lembrar uma frase de Adélia Prado: “ Meu Deus, me dá cinco anos, me cura de ser grande...” 

Às vezes, queremos acreditar sermos fortes, dar conta de suportar tudo sem fraquejar... 

Bobagem! Temos que ser maleáveis com as imprevisibilidades da vida e em relação àquilo que não está sob nosso controle. 

Não podemos controlar o que as pessoas fazem, pensam e dizem... às vezes não podemos conter o seu ódio! 

A única pessoa a quem podemos controlar é a nós mesmos, nos auto conhecendo, estando em paz com nossa consciência, com a nossa verdade. 

E que possamos chorar! Mas nos recompor em seguida e seguir cada vez mais sendo a gente mesmo (a). 



Dulce Braz

domingo, 26 de agosto de 2012

Primavera




A Primavera vem chegando no rastro do vento  

Colorindo nossos olhos em sobretons

Despertando lembranças de amor

Cobrindo gestos de adeus...


Primavera traz cores em flores

A enfeitar a vida insistentemente cinza

Um recado de doçura e beleza

Para alegrar meus olhos cansados...




















Dos canteiros floridos 

Eu imagino buquês apaixonados 

a enlaçar a saudade 

de um romance compartilhado 

Entre aqueles que do nosso lado aqui estão... 

Ou do outro lado, na eternidade do amor vivido...


Primavera é o momento do auge da beleza

Que já anuncia a sua brevidade!

Os flashes buscam captar sua extravagância em perfeição

buscando imortalizar a obra de arte natural 

em seu mistério...



















Mãos humanas procuram replicá-la

Mas a criatividade maior 

não está em seu poder, 

por mais que do real se aproximem...


Gestos humanos buscam partilhar da sua significância 

No desejo de imortalizar a beleza perfeita e frágil

Em flores para selar encontros, 

Curar desencontros,  

Comemorar vitórias

Saudar uma vida que chega

Selar um adeus impotente 

de um amor misturado à beleza e dor!



























E tudo é fugaz 

como as flores em sua beleza

Por mais que queiramos 

segurar em nossas mãos o seu encanto

Elas não são nossas... 

Elas passam por nossas vidas como tudo passa...


E nós apreendemos, em nosso ser, 

o amor daquilo que se mostra!

O amor daquilo que representa 

nosso desejo do belo, do inefável!

Da significância da beleza e do mistério. 

Da criatividade do Criador!



Dulce Braz



quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Fragilidades

Relacionamentos...
Difícil viver sem
Impossível sermos sós...

Convivência com os outros em nós...
Com os nós nos outros se enovelando...
Em uma comprida história em rede
marcada pela cultura que nos atravessa  a experiência do bem e do mal.

Somos e nos fazemos nos relacionamentos...
Por vezes frágeis porcelanas jogadas ao chão,
Em palavras que não abarcam o sentir
Remendos na alma buscando um acerto.

Difíceis os medos tolos que nos invadem
Quando a vida vem mostrando as contas...
Vontade fazer o mais próximo de nós
Daquilo que ficou embrulhado nas renúncias.

As dores não deveriam ser tantas
Somente ser o que se é...
Ver o que se mostra...
Escutar o que fala lá onde você se esqueceu...

Os amores continuam...
As dores virão...
Nada se perde,
nada se vai para sempre.
Tudo acontece o tempo todo a nossa volta.

O que foi não deixa de existir em amor,
Em realidade vivenciada ,
Em história no tempo...
Nada por acaso...
Tudo certo no seu lugar.

Somos travessia.
Somos dor,
Somos pequenas alegrias no tempo.
Somos o que somos e o que buscamos
Nem sempre achamos , mas sempre procuramos.

Porque essa é a nossa brincadeira
Maior na vida: procurar o mistério
Revelado em pequenas distrações do olhar.

Aquilo que é se mostra
E já não somos mais os mesmos
Um dia após o outro...
Uma noite após a outra
Nos sonhos sonhados de outrora...

Serenando a fronte,
Vou caminhando ...
O sentimento pesa mais que os fatos.

Olhar para trás traz saudade...
Traz a palavra dita de relance
Naquela fala de minha avó
Querendo me mostrar sua trajetória de mulher
na coerência do seu devir...
O que ficou e o que poderia ser
sempre serão a semente e o fruto
Amargo e doce da procura da humanidade.

Viver é isso...
é o instante em que a luz se acende
clareando o que se mostra
aos nossos olhos
que insistem em dormir acordados...

Quando se vê, já é noite
Quando se vê, já é outro dia
Nada fica totalmente
Nada se esvai em sua totalidade.


Dulce Braz


sexta-feira, 13 de julho de 2012

O pai na vida de uma menina...



Parte I












Uma menininha viajando num túnel apertado 
Com medo da ameaça da luz e do frio...


O ar nos pulmões inauguram o mundo...
Choro da vida chegando...
Mistério do amor a encantar os olhos!



Parte II


O seio quentinho aquece a alma
O seio sou eu...
E também os  objetos que povoam meu mundo
Misturados com minha mãe.

O meu pai chega atento!
Símbolo de grandes mãos
A me amparar...

Meu encantamento de amor
A minha referência de homem
De poder e solo seguro.

E se me perguntam quem é meu namorado
Eu digo que é o papai da minha vida
O meu modelo de homem...

Um dia chove em meu mundo.
Não sei se é frio ou calor,
Mas tenho medo de perder papai.
Tenho receio de mamãe ir-se e não voltar
Naquelas brincadeiras de ir embora...

Os olhos de papai e mamãe
buscam  outras direções
Que também vou olhando curiosa,
Sem querer soltar de suas mãos.

Vejo o olhar de papai
para uma mulher
Que não sou eu
Quem sou eu?

Seus interesses externos
Aos poucos vão me mostrando
Outras interações sociais,
Um mundo maior que o meu.

Seu olhar para minha mãe...
Um espelho vou buscar.
Olho para mim,
Vejo em mim uma menina mulher...

Minha mãe também é uma mulher,
Suas coisas femininas vou  visitar...
Brinco com elas,
Enfeito-me de mulher!

Olho para outros
Como a menina do papai...
Como um espelho da mamãe...
Como uma menina em construção...

Procuro as brincadeiras e as alegrias...
Não quero ficar sozinha
Sem meu pai a meu lado...
Sem meu anjo protetor
Sem meu amparo seguro...
Meu colinho de aconchego!

Um dia vou crescer...
Uma linda moça vou virar!
Como uma borboleta a borboletear
As novidades dos jardins...

Meu pai vai me ver passar
E vai me admirar:
"Uma linda menina virou mulher!
Suas mãos deixaram as minhas...
Trocou por outras mãos adolescentes
Encantadas pelo florescer..."

Olharei em seus olhos
E verei um amor enciumado,
Preocupado e atento
Ao meu olhar para um outro amor...

Seu silêncio vai me abençoar...
O amor de uma vida inteira
Vai me dedicar em pensamento
E abrir caminho para eu passar...

Estou indo papai...
Viver a minha vida de mulher!
Construir uma história diferente
Em suas bases de apoio
Que me sustentam as escolhas...

Ser-lhe-ei grata em oração
Por todos os cuidados,
Por todos os caminhos percorridos,
Por todos os sins e os nãos...

Por ser meu amigo,
Meu primeiro amor por um homem...
Indispensável na minha construção feminina,
Na minha busca de outro amor.

Seus cuidados me deram segurança
Para buscar meus caminhos longes dos seus...
Seu amor comigo estará
Em toda estrada de meus dias!

Beijo em seu coração...
Gratidão por ser minha vida...
Meu sustento seguro,
Minha alma amiga a me guiar!


Dulce Braz.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Um recado para Milla


Relato aqui um sonho com uma companheira de curso. Ela me confidenciava uma decisão muito triste. O sonho foi bastante consistente e as imagens me trouxeram muita comoção. Tenho que dizer que não há palavras suficientes para representar o vivenciado: as cores, a luz e a emoção sentida. Mas minha surpresa maior foi que, ao relatar à minha colega a situação onírica, ela me confirmou ser verdade o que me contou em sonho...




Encontrei-me com Milla, em um sonho. Ela me olhou, amargurada, e me confidenciou uma resolução: “não quero mais viver! Chega, estou decidida!”

Fiquei atordoada, mas me lembro de buscar, racionalmente, palavras para argumentar, questionar... Porém, percebendo a seriedade da sua afirmativa,  me calei. Não havia palavras eficientes que pudessem ser ditas naquele momento. Minha resposta foi um abraço acolhedor, no silêncio da tarde que escurecia...

De repente, o escuro vespertino se fez de forma inusitada e abriu-se no céu uma cor arroxeada, atraindo nosso olhar para o alto. 

Um sol lilás-róseo brilhou no céu azul anil sobre um mar revolto. Suas ondas formavam luzes intensas recheadas de palavras que iam se sobressaindo das ondas, quase invisíveis por tanta luz...

As ondas se quebravam espumando essas palavras em tamanha luz que nossos olhos não captavam o seu significado e a mensagem se dissolvia nas águas...

Num relance, meus olhos conseguiram captar duas de muitas palavras a se espumarem em luz no quebrar das ondas:
AMOR... LUZ... AMOR... LUZ... AMOR... LUZ...!

A cena era tão grandiosa que minhas pernas cederam ao peso da emoção e caí de joelhos, reverenciando o poder da natureza que nos comunicava o amor e nos revelava a grandeza da espiritualidade diante da nossa impotência.

Ajoelhada ali em frente à cena, fiquei abraçada a Milla... Era um recado tão grandioso que dispensava explicações...

Era uma mostra da existência de Deus, não um Deus-homem, mas um Deus-poder impregnado no cosmo, a nos revelar uma ordem de amor e superioridade, de inteligência e presença... Tremia de emoção intensa e o choro veio em abundância de meu corpo!

Nesse momento, fomos puxadas da cena por um poder invisível, como se fosse um fio... e passamos por um corredor de pessoas necessitadas, uma cena de dor e revelação: Aqueles seres eram um retrato de miséria da condição humana no sofrimento.

Passamos por esse corredor de pessoas famintas de acolhimento, como se fôssemos puxadas de volta à vida. Como se tivéssemos ido a um plano espiritual juntas, tivéssemos o momento de revelação do poder de Deus, da existência, de um recado a minha companheira sobre a sua resolução e fôssemos trazidas de volta à realidade da dureza da humanidade, olhando-a e percebendo-a na sua extensão e  dor...

Acordei chorando muito, sentindo uma dor intensa no peito, como se tivesse absorvido a dor daquelas pessoas na sua existência, como se estivesse a morrer... Um sonho poderoso, grandioso, eu sei. Senti...! E essa percepção refletia-se em meu peito assustado a doer...

Durante alguns dias, relutei em contar à minha amiga o sonho que tivera com ela, pois como eu iria dizer da sua determinação em não viver? O que poderia revelar de meus pensamentos sobre ela ou sobre mim que levaram ao sonho?

Quando a conheci, no início da graduação em Psicologia, soube que ela estava se tratando de um câncer. Em um dos momentos dos períodos iniciais do curso, tive uma crise de choro, por saber que minha mãe enfrentava um câncer e, nesse momento, ela se aproximou de mim e me disse para deixar minha mãe com a decisão dela.

Fiquei assustada com a possibilidade da doença ser uma escolha de minha mãe. Fiquei tentando entender a maneira de Milla enxergar a situação, embora estranhasse aquele pronunciamento.

Como eu poderia aceitar a decisão de alguém de morrer? De alguém que eu amo? Hoje sei que Milla falava por si. Ela queria "ir", já no início do curso de Psicologia.

Durante o curso, nem tão próxima fui de Milla, mas tínhamos uma sintonia interessante. Gostava dela; ela me chamava de Dulcinha e tinha sempre uma palavra de elogio para mim ao nos encontrarmos nos diversos momentos do curso como colegas de disciplinas.

Ao vê-la, no final do curso, percebi o quanto ela estava diferente, renovada, o quanto havia crescido nos cinco anos do curso.

Todos crescemos muito durante tantos encontros sobre o humano em suas diversas abordagens da psicologia. Talvez por isso tenha sonhado com ela, pois havia refletido, especialmente, sobre sua mudança aparentemente positiva em um de nossos últimos encontros, antes do sonho.

Encontrando-me com ela na última aula do final do semestre, resolvi lhe contar do sonho que tive com ela. Fiz uma introdução da nossa conversa tentando me justificar pela falta de lógica do sonho, mas também da força dele...

Ao lhe transmitir o que ela me dizia em sonho, percebi que ela ficou transtornada, visivelmente emocionada e, com os olhos marejados, me disse ser verdade o que ouvi dela em sonho.

Ela relatou que havia iniciado o curso com a  decisão de entrega da sua vida, de desistência da luta... Esse pensar fora adiado temporariamente e, agora, no final do curso, ela estava às voltas com essa decisão a lhe atormentar...

Disse-me que as pessoas que vi no sonho são os humanos miseráveis que ela tem encontrado nos lugares de acolhimento de doentes mentais. Ligou-se a essas pessoas e sente a importância do trabalho que tem feito junto a elas...

Estava se despedindo desse trabalho durante a semana e depois de uma conversa com um professor, no dia anterior, resolveu continuar no cuidado com os doentes mentais.

A frase que ouvi dela em sonho é a tradução do seu desejo e faz parte de sua dúvida existencial. Fiquei emocionada quando ela me revelou esse fato e ponderamos se fui um veículo de comunicação a ela...

O sonho era um recado a  Milla! Um poder extraordinário, revelado e sentido em sua presença... Um texto a ser transmitido a ela, naquele momento de briga séria com a vida e seus propósitos... Uma resposta tão intensa que não dá para dizer que significa isso ou aquilo... É simplesmente um recado.

E fui usada para transmitir esse comunicado à minha amiga. Não sei se ela foi capaz de captar a minha emoção vivenciada no sonho, porém pude sentir  seu sofrimento existencial no momento em que lhe relatei o sonho...

Mas também pude lhe dizer de um poder indescritível e belo e de uma mensagem de amor e luz associada à dor da miséria humana  a clamar assistência. 

Essa história está no meu caminho. Olho-a com respeito, pois diz do momento em que questiono o que fazer na estrada que me espera.

Diz da vontade de fazer pelas pessoas, de caminhar uma estrada de forma nova, entendendo a humanidade, sua dor, cumplicidade, esperança, de forma diferente...

Simplesmente porque vejo o humano com um outro olhar depois desse percurso da minha estrada...  um humano  limitado, frágil, mas cheio de possibilidades e de contradições nos encontros com os outros e consigo mesmo.


Dulce Braz.
Obs.: Nesse texto, preservo o nome real de minha colega do curso de Psicologia e o substituo por Milla. A ela amor e carinho em sua caminhada!